Segundo o especialista, o colesterol elevado e a hipertensão arterial são responsáveis pela ocorrência de quadros de Acidente Vascular Cerebral (AVC) e infarto agudo miocárdio
Foto: Romildo de Jesus
O efeito “milagroso” de sucos e chás, que prometem limpar as artérias e eliminar o colesterol, é propagado constantemente por influenciadores digitais, com foco em atrair mais seguidores ou vender produtos derivados de substâncias ditas como “naturais”. No entanto, como alerta o cardiologista Jadelson Andrade, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), membro do Conselho Consultivo da SBC e membro titular da Academia de Medicina da Bahia, esse tipo de informação falsa pode ser considerada “um atentado à saúde pública”.
Segundo o especialista, não há evidências científicas do efeito dessas bebidas no combate à hipertensão e controle do colesterol, estes que são considerados vilões das doenças cardiovasculares. “Essa informação de que essas bebidas, sobretudo chás, limpam as artérias e eliminam o colesterol é absolutamente falsa. Infelizmente, essas informações têm se proliferado na internet e isso é muito preocupante”, afirma Andrade.
Conforme o médico, o colesterol elevado e a hipertensão arterial são responsáveis pela ocorrência de quadros de Acidente Vascular Cerebral (AVC) e infarto agudo miocárdio, sendo as doenças cardiovasculares responsáveis por causar 30% das mortes registradas no mundo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). A disseminação de informações inverídicas, portanto, pode agravar o cenário de saúde pública, segundo o especialista, uma vez que, anualmente, mais de 300 mil pessoas morrem no Brasil e 17 milhões, no mundo, em decorrência destes tipos de doenças.
Outro agravante é uma mudança de comportamento daqueles pacientes que precisam realizar o controle do colesterol, devido às altas taxas apresentadas e por já terem diagnóstico de obstrução de artérias do coração ou da carótida. “Quando as pessoas leem essas notícias, há uma tendência natural de não quererem usar os remédios. Então, esses indivíduos acabam aumentando o risco de um infarto, de um derrame, sobretudo se for indivíduos que já têm problemas cardiocirculatórios, como placa de gordura nas carótidas”, alerta o cardiologista.
Nas redes sociais, influenciadores com milhões de seguidores indicam o uso de sucos de romã, beterraba e de chás, como o verde e o conhecido como “dente de leão”. Como ressalta o Dr. Jadelson Andrade, essas bebidas não possuem qualquer efeito comprovado e, no caso dos chás, o consumo é ainda mais perigoso, pois alguns deles, sobretudo os chás verdes, são hepatotóxicos, ou seja, agridem o fígado, podendo provocar doenças como hepatites, inflamações e até cirrose.
Mudança de hábitos
Uma vez que níveis de colesterol sejam identificados, e que o paciente ainda não tenha sofrido um AVC ou infarto, por exemplo, a orientação médica é de mudança do estilo de vida, o que exige maior esforço e dedicação por parte do paciente, do que a inclusão de um chá ou suco na dieta. Nestes casos, novos hábitos alimentares são recomendados, como o consumo de alimentos ricos em gorduras não saturadas e ricos em fibras.
No caso daqueles pacientes em que, mesmo com esta mudança, ainda apresentam aumento das taxas de colesterol, medicamentos são necessários para o controle deste importante fator de risco da ocorrência de eventos cardiovasculares. Nos casos mais graves, classificados pelos especialistas como de prevenção secundária, quando é identificada a obstrução de artérias ou ocorrência de evento cardiovascular, a intervenção medicamentosa é ainda mais “agressiva” para controle do colesterol e, como reforça Andrade, “hoje temos medicamentos muito efetivos para controlar e reduzir as taxas de colesterol”.
A presença da taxa elevada, em até 75% dos casos, não está relacionada à alimentação do indivíduo, mas a fatores genéticos e à produção do colesterol pelo próprio organismo. Como destaca ainda o médico, esse cenário pode ser agravado pela dieta rica em colesterol, portanto, é importante que o paciente faça acompanhamento regular com especialistas.
Além disso, além do colesterol (LDL) alto e da hipertensão, o tabagismo, o sedentarismo e a obesidade são fatores de risco de doenças cardiovasculares. Portanto, o tratamento preconizado nas diretrizes brasileiras de cardiologia consiste em dieta, atividade física e, quando necessário, medicações.
Sucos e chás não são receitas milagrosas
A preocupação com a disseminação das informações acerca de bebidas que seriam eficazes para combate aos referidos quadros clínicos une, portanto, entidades como as sociedades brasileiras de Cardiologia e de Hepatologia e a Academia de Medicina da Bahia. Na rotina de atendimento clínico e hospitalar, profissionais de saúde relatam a frequência de casos de pacientes que apresentam quadros graves de hipertensão por abandono do tratamento e substituição das medicações de uso contínuo por sucos ou chás.
“São pacientes que chegam com crise de hipertensão na emergência, nos postos de saúde, e a gente pergunta se estão usando o remédio e a resposta é ‘não, doutor, porque eu estou tomando agora um chá que eu sei que resolve’. Então, é uma tendência achar que o natural é o melhor. Embora as pessoas não saibam que muitas das medicações vêm da natureza, são experimentadas e sintetizadas, para que sejam transformadas em remédios”, complementa.
O médico Jadelson Andrade explica ainda que apesar de o risco ser maior para pacientes acima dos 50 anos, pela maior tendência de prevalência da hipertensão e do colesterol elevado, os jovens também são alvo de atenção quando se trata desta pauta. Eles possuem papel relevante, seja como propagadores das informações falsas em ambiente doméstico ou, por outro lado, como agentes de influência e combate ao uso indiscriminado dessas bebidas.
“Todas as faixas populacionais importam, especialmente aqueles que têm o problema e que vão deixar de se cuidar, de se tratar, porque receberam diretamente da internet ou em casa, trazida pelo filho, pela nora, pelo sobrinho ou pelo neto, que viu na rede social e que levou informação para dentro de casa”, detalha. Como complementa Andrade, a hipertensão arterial é uma “assassina silenciosa”, porque não apresenta sintomas e, muitas vezes, o paciente só descobre em uma avaliação periódica para renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Por fim, o especialista destaca o papel relevante da imprensa na divulgação da informação correta, esclarecendo que o consumo de sucos e chás não é capaz de limpar as artérias ou eliminar o colesterol. “Essas informações podem trazer um problema sério de saúde pública, pelos números que as doenças cardiovasculares representam para a população em geral. As pessoas devem fazer suas consultas médicas periódicas; seguir a orientação dos seus médicos quanto à mudança de estilo de vida, ao uso de medicações regulares, quando elas forem indicadas, e quanto ao controle dos fatores de risco; além de não se deixar levar por influenciadores da internet”, complementa Andrade.
Tribuna da Bahia