Segundo o especialista, a ingestão de bebidas alcoólicas não “corta” o efeito do veneno, como muita gente acredita, também comprometendo o diagnóstico
Foto: Divulgação/GCM
Acidentes com serpentes são frequentes na Bahia e, de acordo com o diretor do Centro de Informação e Assistência Toxicológica da Bahia (CIATox-BA), Jucelino Nery, nos últimos anos, fatores como as mudanças climáticas, queimadas e desmatamento, têm contribuído para um aumento discreto no número de casos. Segundo a Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), até 31 de março deste ano, foram registradas 670 ocorrências deste tipo; frente a 3.903 contabilizadas em todo o ano passado.
Nos três primeiros meses de 2025, uma pessoa morreu por ataque de serpente, enquanto em 2024, foram 14 óbitos registrados no estado. Ainda conforme dados do CIATox-BA), centro estadual de referência em Toxicologia, órgão da SESAB, coordenador na Bahia do Programa Nacional de Controle de Acidentes por Animais peçonhentos, as serpentes mais frequentemente envolvidas nos acidentes são do gênero Bothrops (conhecidas como jararacas), em cerca de 60% dos acidentes, seguidas das cascavéis (gênero Crotalus), com cerca de 9%.
Frente aos dados, Nery aponta a gravidade deste cenário e alerta para os riscos da adoção, por parte da população de zonas rurais e urbanas, de práticas baseadas em mitos, que além de não trazerem benefícios à vítima, podem agravar o quadro de saúde do indivíduo. Dentre eles, está o de passar borra de café ou esterco no local da picada do animal, o que é contra indicado e pode levar a infecções; no caso de alho e castanha, o uso pode provocar queimaduras e dificultar o diagnóstico.
Segundo o especialista, a ingestão de bebidas alcoólicas não “corta” o efeito do veneno, como muita gente acredita, também comprometendo o diagnóstico. Outro mito é relacionado à ingestão de água, já que a vítima pode e deve se hidratar, sem qualquer risco.
Outra prática que não é recomendada é amarrar o membro afetado, utilizando uma espécie de torniquete. “No caso da jararaca e cascavel, o veneno pode se concentrar, dificultando a circulação e acabando por agravar o envenenamento. O veneno da jararaca e surucucus destrói as proteínas do tecido, o que aumenta a possibilidade de necrose”, alerta o diretor do CIATox-BA.
DOENÇAS
Por fim, a crença comum em determinadas regiões, de que fazer infusão de cachaça com cobra, com a ideia de que tomando essa bebida antes de entrar no mato, o indivíduo estaria protegido do veneno, é um mito. A prática, segundo Nery, não tem efeito benéfico contra o veneno das serpentes e pode causar infecção intestinal, assim como o hábito de assar e comer algum órgão do animal.
Para evitar a demora da prestação do serviço médico, em razão das consequências das práticas adotadas a partir de mitos, Jucelino Nery especifica quais as medidas adequadas em caso de acidentes com serpentes. Dentre elas, estão: lavar o local com água e sabão; tranquilizar a vítima;
colocar o membro elevado, com apoio; além de transportar, com a maior brevidade, a vítima para a unidade de saúde.
Conforme o especialista, qualquer serviço de urgência e emergência está apto para atender a pacientes que sofreram ataques de animais peçonhentos e, quanto menor for o tempo entre a picada e a chegada à unidade de saúde, melhor será o prognóstico do indivíduo. O tempo ideal para a chegada no serviço médico é dentro da primeira hora.
“Se a pessoa chegou a capturar o animal (o que não recomendado) ou tirou foto, é importante que seja levado no momento do atendimento médico para auxiliar na identificação da espécie, porque os soros são específicos. Isso auxilia no diagnóstico e adoção da soroterapia com a maior eficácia”, orienta Nery.
Nem sempre, segundo ele, o soro será indicado, pois o médico irá avaliar o quadro clínico do paciente, a sintomatologia e o histórico para adoção da conduta. “Às vezes, acontece a picada, sem inoculação de veneno ou em pouca quantidade. E tem aqueles casos de inoculação de quantidade maior de veneno. Tem a questão também da ocorrência de comorbidades, como problemas cardíacos, hipertensão, diabetes, que pode fazer também com que a situação de saúde do paciente seja mais grave”, esclarece.
O CIATox-BA possui um canal para atendimento, o Disque Urgência Toxicológica (24 horas), através do número 0800 284 4343. Para evitar acidentes com animais peçonhentos, as recomendações do órgão são: evitar andar descalço em locais de risco (é recomendado o uso de botas de cano alto ou perneiras em trabalhadores de campo ou zonas rurais, principalmente, ou pessoas que acessem locais de mata, capinzais, margens de rios, lagos), usar luvas em trabalhos de capinagem, colheitas, jardinagem; ter atenção ao subir em árvores; evitar colocar as mãos em buracos terrestres, cupinzeiros ou troncos de árvores que estejam ocos, além de ter cuidado ao manusear folhagens secas; além de manter sempre o ambiente doméstico limpo, bem como a área ao redor da residência, evitando acúmulos de tijolos, madeiras ou entulhos de modo geral.
Tribuna da Bahia