Titular da seleção concilia a vida materna com a de jogadora

[Titular da seleção concilia a vida materna com a de jogadora]

 

Tamires Cássia Dias de Britto, 30, é lateral esquerda titular da seleção brasileira e do Fortuna Hjørring, da Dinamarca. Casada e mãe de Bernardo, 8, teve que abandonar o futebol, seu sonho de menina, por duas vezes para se dedicar à família. Hoje, em grande fase pelo seu clube e próxima de disputar a Copa América, tem, como outras mulheres do país, a árdua missão de conciliar trabalho com a vida de mãe.

Nasci em Caeté (MG), a cerca de 50 km de Belo Horizonte. Desde pequena eu gostava de brincar de bola. Tanto que todas as noites esperava meu pai, que era policial, chegar do trabalho para jogar comigo. Com meus tios e primos não era diferente, sempre jogávamos juntos.

Quando eu tinha uns 11 anos, assisti pela TV a um jogo da seleção brasileira feminina, e isso fez com que eu decidisse que queria virar atleta profissional de futebol.

Eu tinha 15 anos quando uma tia que estava em São Paulo perguntou se eu queria morar com ela. Vi ali a oportunidade realizar meu sonho e minha mãe me deixou ir.

Assim, minha tia e eu começamos a procurar times para eu atuar. E conseguimos. Na época, ainda no futsal, passei a jogar por equipes de Guarulhos, como o Tiger e o Estrela. Foi aí que a minha carreira começou.

No final de 2003, o Tiger levou as meninas do futsal para um teste no futebol de campo do Juventus da Mooca, e passei. Foi lá onde me tornei jogadora profissional e onde conheci aquele que seria meu futuro marido, o César.

Ele também era jogador do clube, e foi na famosa festa junina de lá que ele pediu para ficar comigo. De cara eu disse não, pois a Magali, treinadora da equipe, achava que eu era muito nova [17 anos] para me relacionar. E ela já havia me tirado do time uma vez por causa de um namoradinho que tive.

Mesmo assim, ele foi insistente, disse que pediria a ela permissão para ficar comigo. Eu não acreditei, mas ele fez isso, e ela deixou. Começamos a namorar e, um ano depois, fomos morar juntos.

Mas a nossa vida era diferente da de casais tradicionais, pois nós dois éramos jogadores. Em 2006, eu saí do Juventus para jogar no Santos. De lá, fui para o Charlotte Eagles (EUA), e, em 2008, joguei na Ferroviária, de Araraquara. O César também jogou em diferentes lugares ao longo desses anos.

BERNARDO
No ano de 2009, quando o César havia acabado de voltar da Macedônia, eu fiz exames médicos e descobri que estava grávida. Eu tinha apenas 21 anos. Era muito nova, chorava muito. Imaginava que o sonho de ser jogadora havia acabado.

Eu ouvi de muita gente “agora você não vai mais poder jogar futebol”, mas eu tive apoio, tanto da minha família quanto da do César. Assim, tive forças para entender e enfrentar essa nova etapa de minha vida.

Interrompi minha carreira e decidi desfrutar as primeiras fases da vida do Bernardo e acompanhar a carreira profissional do meu marido, que já havia voltado ao país.

Após dois anos parada, recebi um convite para jogar no Atlético-MG e aceitei. Com isso, eu e meu marido, que estava atuando pela Patrocinense-MG, tivemos que ficar, mais uma vez, separados. Foi um ano muito difícil. 

César e eu praticamente só nos víamos aos finais de semana, isso quando nenhum dos dois tinha algum jogo.

O que ajudava era que minha mãe cuidava do nosso filho pela manhã, no período em que eu estava treinando. 

A distância fez com que eu optasse por parar de jogar, novamente, e voltasse a ser apenas mãe e dona de casa. 

Somando as duas paradas na carreira, fiquei três anos e meio longe dos gramados. Achava que não conseguiria mais voltar. É muito difícil conciliar esse tipo de trabalho com a família. Imagine numa família em que os dois são jogadores de futebol.

O RETORNO
Em 2013, o César recebeu uma proposta para atuar no São Bernardo, e foi aí que a gente viu uma possibilidade de eu voltar a jogar. Como meus sogros são de Santo André, eles poderiam ajudar a cuidar do nosso filho. 

Foi quando passei a treinar no Centro Olímpico. Dessa forma, não precisávamos ficar mais separados.

Pouco tempo depois, comecei a ser convocada para a seleção. Aí não tinha mais como parar, já que esse é o objetivo de qualquer jogador.

Só que, como a vida de jogador de futebol muitas vezes é itinerante, o César foi parar no Moto Club-MA.

Dessa vez, foi ele quem decidiu dar um tempo na carreira por causa da distância.

Após disputar pela seleção brasileira os Jogos Pan-Americanos de 2015, em Toronto, no Canadá [e faturar o ouro], recebi uma proposta do Fortuna Hjørring, da Dinamarca.

O César tentou a sorte em clubes de lá, mas tudo era muito longe de onde estávamos alocados. Por isso, e para cuidar do Bernardo enquanto eu iniciava minha trajetória na equipe, ele decidiu se aposentar dos gramados. 

Atualmente, meu marido trabalha na Dana Cup, uma empresa do clube.

Hoje, nós estamos a dois anos e meio na Dinamarca. No início foi bem difícil, a questão da língua, a adaptação do Bernardo na escola, o frio. Eu nunca havia treinado com temperaturas tão baixas. 

O tempo passou, e a adaptação do nosso filho foi fundamental para que continuássemos no país. Hoje, com 8 anos, ele inclusive já fala dinamarquês.

Graças a tudo isso, estou vivendo um grande momento. Meu time lidera o campeonato, e eu, atuando com liberdade pela ala esquerda, marquei sete gols em 14 jogos. Fui escolhida a melhor jogadora do clube em 2017 e a nona da Escandinávia [pelo site “Women’s Soccer Zone”].

Recebi uma proposta no meio do ano passado para trocar de time, só que acabou não dando certo pela questão da família. Isso pesa um pouco, pois são raras as jogadoras que são mães. 

Os clubes femininos de  futebol, em geral, não estão acostumados a levar a família com a atleta. Por causa dos gastos, de não poder ser uma casa só para mim, isso vira um empecilho para os clubes quando negociam comigo.

SELEÇÃO
Joguei uma Copa do Mundo [Canadá-2015] e uma Olimpíada [Rio-2016]. Disputar os Jogos em nosso país, com todo aquele apoio da torcida, foi encantador, um sonho realizado. É algo que vou guardar para a minha vida, para sempre. Infelizmente, a medalha não veio, mas perder também faz parte do esporte.

Agora, acabamos de encerrar a primeira parte da preparação para a Copa América [no Chile]. Acho que é possível conquistarmos o sétimo título [em oito edições] do torneio e garantirmos a vaga para a Copa e para a Olimpíada.

Bocão News

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