O anúncio realizado pela Ford na última segunda-feira (11), sobre o fim da produção de veículos no Brasil, surpreendeu especialistas e setores da economia. Na Bahia, a fábrica localizada em Camaçari, região Metropolitana de Salvador (RMS), deixará de operar tal qual a de Taubaté (SP). Já a fábrica da Troller, em Horizonte (CE), encerrará suas atividades no último trimestre de 2021. Várias instituições e pessoas públicas lamentaram o anúncio e temem os impactos negativos na economia com o fim das atividades da Ford no estado. A decisão da empresa afeta diretamente o Produto Interno Bruto (PIB) do município e deve gerar demissões em massa.
Para o superintendente do Sistema Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB), Vladson Menezes, o impacto da saída da planta da Ford em Camaçari é significativo e representa uma perda para o estado. “A Ford, junto com as fornecedoras que estão dentro da planta de Camaçari, representa 5,4% do valor da transformação industrial na Bahia e 4,1% do pessoal ocupado nessa indústria”. A massa salarial produzida pela empresa é por volta de R$550 mi ao mês sem impacto tributário. A receita líquida da Ford em 2019 foi de R$ 12,4 bi. “Isso tudo vai ter um impacto muito grande. Envolve alguns segmentos da petroquímica, a produção de pneus e outros produtores de insumos. Fora da indústria, isso envolve atividades portuárias e logística em geral”, ressalta.
Menezes comenta que o impacto para os profissionais de engenharia será reduzido, já que a Ford manterá o Centro de Desenvolvimento de Produtos (CDP), que atua parcialmente no Senai Cimatec Park, em Camaçari. “A perspectiva é que pelo menos 600 engenheiros tenham os seus empregos mantidos para atuarem neste centro. O restante vai perder o emprego, mas é preciso ver uma alternativa para isto. O Governo e a FIEB já estão vendo trabalhar a possibilidade de atração de outro empreendimento, de preferência automotivo, para o mesmo local”. O superintendente comenta que os fatores da saída da Ford são de responsabilidade da própria empresa. “A Ford vem perdendo espaço no mercado brasileiro desde 2014. Sai da quarta maior produtora e hoje disputa a quinta posição. Contudo, mesmo com essa situação, ela está investindo na Argentina e no Uruguai, que apresentam uma melhor variação do câmbio do que o Brasil”, conclui.
O economista Armando Avena comenta sobre o impacto no PIB gerado pela empresa. “A Ford está saindo por problemas internos dela, não é culpa da Bahia, mas o impacto será muito grande. A produção de veículos representa 5% do PIB industrial, se acrescentarmos as sistemistas, produtoras de pneus, entre outras, chegaremos a 10% deste PIB, pelo menos. Não há perda de ICMS, já que a empresa tinha isenção. O maior impacto será em relação ao ISS do município, que a Prefeitura de Camaçari estima perda em R$ 150 mi. A geração de emprego será afetada, pelo menos 6 mil trabalhadores serão demitidos, não só da Ford, como de outras empresas. Aliás, outra empresa pode assumir o local, mas tudo vai depender das negociações do Governo do estado. A China tem se tornado uma nova potência mundial, seria bom se uma empresa chinesa se interessasse em investir na Bahia neste momento”, sugere.
Com a informação divulgada pela Ford, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, Júlio Bonfim, comenta que os trabalhadores foram pegos de surpresa com o anúncio da empresa. “Isso bateu agora em nossas costas de forma muito forte. É algo que nunca imaginaríamos, o fechamento de uma fábrica tão importante como esta. Ainda estamos tentando absorver essa porrada”. O sindicato convocou uma assembleia com os colaboradores da empresa e parlamentares estaduais, que foi realizada ontem (12), em frente à fábrica da Ford, em Camaçari. “Vamos pedir a Deus que a gente consiga construir soluções, por mais que a empresa diga que é o encerramento da produção de veículos da Ford no Brasil. É um momento de sobrevivência. Precisamos ver qual vai ser o encaminhamento e tentar evitar esse grande entrave que vai impactar em dezenas de milhares de empregos na Região Metropolitana”, enfatizou.
Funcionários da Ford também lamentam pelo encerramento das atividades da empresa. O colaborador do Setor de Operação, Heraldo Ângelo, que atuava na empresa desde 2004 e estava afastado após sofrer duas lesões no ombro, lamenta a situação e diz que a empresa não respeitou seus funcionários. “Eu fico triste, são muitos pais e mães de famílias que ficarão desempregados, por isso sempre digo que precisamos de um plano B. A empresa não tá tendo respeito, teve todas as isenções possíveis no município e tá agindo de forma arbitrária”, comenta. A coordenadora de produção, Solange Cavalcante, diz que o anúncio da Ford gerou uma grande surpresa para a categoria. “Eu queria acreditar que tudo isso fosse só um alarme falso, mas pelo visto fechou mesmo, tá tudo lacrado, ninguém entra, ninguém sai”, lamenta a funcionária.
Em nota divulgada no site da empresa, a Ford publicou que “está anunciando uma reestruturação de suas operações na região que permitirá ter um modelo de negócios ágil e sustentável no Brasil e América do Sul, apoiado em seus pontos fortes globais em SUVs, picapes e veículos comerciais”. Para a empresa, “a indústria automotiva global está passando por um processo de transformação impulsionado por novas e emergentes tecnologias em serviços conectados, eletrificação e veículos autônomos, com demandas dos consumidores e itens regulatórios remodelando o mercado”. Ainda de acordo com a Ford, “a pandemia global da Covid-19 ampliou os desafios do negócio, com persistente capacidade ociosa da indústria e redução das vendas na América do Sul, especialmente no Brasil”. A empresa disse que manterá sua sede administrativa para a América do Sul em São Paulo, o Centro de Desenvolvimento de Produto na Bahia e o Campo de Provas em Tatuí-SP, que continuarão a trabalhar no desenvolvimento de tecnologias e produtos para a região e outros mercados globais.
Em nota técnica, a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), informou que o papel do setor automotivo é relevante na economia do estado, tanto em participação na indústria de transformação (3,5%) quanto na geração de empregos; e por importantes encadeamentos produtivos. Em relação ao PIB baiano, sua participação é de 0,3% no ano de 2019. Além da importância da montadora, conta-se também com os sistemistas (empresas que desempenham estratégias para definir as relações de fornecimento).
Em relação ao comércio exterior, os componentes automotivos responderam por 2,1% da pauta de exportação baiana em 2020, totalizando U$163,1 milhões e U$ 367,2 milhões em 2019. De acordo com a SEI, o desempenho negativo está relacionado à redução da demanda externa causado pela pandemia, além de dificuldades econômicas enfrentadas por nosso maior mercado, o argentino, cuja pauta é predominantemente composta por este setor (65% do total). A Colômbia é o segundo maior mercado da exportação baiana. Em 2019, a indústria automotiva totalizava 8.200 empregos na Bahia, no entanto, ao longo de 2020, foram encerrados cerca de 600 empregos do setor.
Tribuna da Bahia