Primeira infância, creches e pré-escolas: o que dizem as evidências?

Uma mesma creche que pode ajudar crianças de uma determinada condição pode até “prejudicar” crianças de uma condição diferente – e que precisariam de outro tipo ou intensidade de atenção.

Evidências nem sempre são óbvias, e, comumente, são cheias de nuanças e notas de rodapé. O que acontece com a criança desde a gestação e nos primeiros anos de vida tem enorme repercussão no desempenho escolar e no desenvolvimento ao longo da vida. É sobre isso que falamos neste 10º post da série baseada no Relatório “Para desatar os nós da educação – uma nova agenda”.

Dentre as coisas que acontecem ou devem acontecer, vários fatores relacionam-se com a saúde da mãe e às condições do ambiente em que a criança nasce e vive. Isso inclui questões associadas à saúde, alimentação, segurança, violência, presença de drogas, poluição, estabilidade familiar, e vários outras, quase todas associados à condição de pobreza.

Tudo que pode evitar ou mitigar o impacto dessas condições adversas contribui para reduzir os danos. Por outro lado, há diversos fatores positivos que contribuem para o desenvolvimento positivo das crianças. Dentre eles, destacam-se a estimulação adequada às etapas do desenvolvimento da criança; e os estímulos associados ao desenvolvimento da linguagem e da curiosidade, e à formação das estruturas cerebrais relacionadas ao autocontrole (memória, atenção, controle emocional). Todas crianças se adaptam aos desafios do mundo, mas a adaptação precoce comumente leva à rigidez, ou seja, à perda da adaptabilidade, da flexibilidade para se adaptar a novas situações.

É isso que torna algumas intervenções mais eficazes do que outras. Não importa se as intervenções são realizadas pela mãe, pela família, pela babá, ou se são estimuladas por um visitador familiar, em creches ou pré-escolas. Importa se as intervenções são adequadas, no tempo adequado, e se possuem qualidade e intensidade suficientes para estimular o desenvolvimento da criança.

Alguns estudos mostram que em vários países, inclusive países desenvolvidos, a pré-escola traz impactos positivos, embora modestos. Esses estudos também revelam duas situações muito comuns. Uma delas é a baixa qualidade das intervenções – por deficiência dos currículos, das pessoas envolvidas ou dos contextos em que ocorrem.  A outra é a interação entre o tipo de intervenção e as características das famílias. E isso vale especialmente nos dois extremos – tanto as crianças muito carentes quanto as que vivem em ambientes muito estimulantes podem até perder se as creches e pré-escolas não forem adequadas às suas circunstâncias.

Ou seja: uma mesma creche que pode ajudar crianças de uma determinada condição pode até “prejudicar” crianças de uma condição diferente – e que precisariam de outro tipo ou intensidade de atenção.

Um desses estudos mostra, por exemplo, que a experiência dos educadores é mais relevante do que suas habilidades profissionais, no caso de creches voltadas para crianças de nível socioeconômico mais elevado e que possivelmente recebem em casa estímulos adequados para desenvolver outros aspectos relevantes.

Em outras palavras, para ter impacto, creches, pré-escolas e outros tipos de intervenção precisam não apenas ter alta qualidade em dimensões críticas para promover o desenvolvimento, mas também serem adequadas às características da população atendida.

E em qualquer caso, o papel da família é fundamental – e é nela que devem se concentrar as atenções voltadas para a Primeira Infância. Ou seja, de um lado, prover creches e pré-escolas sem qualidade adequada dificilmente contribuirá para reduzir as desvantagens de berço das populações mais carentes. De outro, é útil saber que fora das creches há salvação.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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