“O presidente poderia falar menos e fazer mais pelo Brasil”

 

 

 

O senador Otto Alencar (PSD) fez críticas ao presidente Jair Bolsonaro em entrevista à Tribuna. Para ele, o gestor federal “poderia falar menos e fazer mais pelo Brasil”. “Costumo dizer que todas as crises gestadas neste ano foram saídas de dentro do Palácio do Planalto, pelo presidente da República e pelos seus filhos, com declarações contra a democracia, a liberdade e contras as dificuldades todas que a população vive. Parece que ele não percebe isso”, criticou. O parlamentar baiano afirma que teve um único encontro com o chefe do Palácio do Planalto, para tratar da transposição do Rio São Francisco, mas que nada avançou até então. Ainda na entrevista, Otto faz um balanço da Operação Lava Jato e da soltura do ex-presidente Lula. Fala ainda das articulações para as eleições de Salvador e na Bahia em 2020 e 2022, respectivamente.

Tribuna – Como o senhor está vendo o momento da política no país?

Otto Alencar – Sobretudo Brasília, que está vivendo momentos tensos até. Muitos gestados pelas declarações confusas e fora de contexto do presidente da República. Costumo dizer que todas as crises gestadas neste ano foram saídas de dentro do Palácio do Planalto, pelo presidente da República e pelos seus filhos, com declarações contra a democracia, a liberdade e contras as dificuldades todas que a população vive. Parece que ele não percebe isso. Acho que algumas matérias encaminhadas para o Congresso Nacional e tiveram êxito foram aprovadas pela necessidade do Brasil, mas pode observar que o presidente queria fazer e mandou para lá, não passou. O decreto das armas nós derrubamos com um decreto legislativo no Senado Federal. O filho Eduardo Bolsonaro, que ele queria colocar como embaixador dos Estados em Washington, se ele manda, teria a maior derrota no Senado Federal. Então, o presidente poderia falar menos e fazer mais pelo Brasil. Outra coisa, ele está marcando o governador Rui Costa e o nosso grupo porque fazemos oposição. O fato é constatado. Estive com o ministro Paulo Guedes na segunda-feira à noite para cobrar que ele pague e reembolse o Governo do Estado pelo que ele fez no metrô, nas vias todas, nas intervenções, e o governo não paga. Está empenhado na Caixa Econômica Federal R$ 263 milhões que o governo federal deve ao Estado da Bahia e eles não pagam. Então, é um momento tenso realmente.

Tribuna – A gente vive riscos de retrocessos, inclusive na democracia do Brasil?

Otto Alencar – Na democracia, acho que não. Essa declaração infeliz do Eduardo Bolsonaro sobre a volta do AI-5, e agora também dita pelo ministro Paulo Guedes, é um desdobramento da possibilidade de o ex-presidente Lula voltar a disputar eleição. Eles temem perder o poder. Isso é um fato que está muito claro lá em Brasília. Não há necessidade disso. A democracia não pode ser abalada pela vontade do espírito ditatorial do filho do presidente da República e também pela falta de capacidade de conhecimento político que tem o ministro Paulo Guedes. É um grande economista, um grande brasileiro, mas de vez em quando comete o que a gente chama de lapso verbal. Coloca frases inadequadas como é o caso do AI-5. A democracia não está correndo risco, até porque, as Forças Armadas não têm esse sentimento. Jamais acontecerá o golpe, que até vivenciei, quando cassaram sem motivo um primo meu, Nelson Alencar, que era prefeito de Itaberaba. O cassaram só porque o comandante da 6ª Região Militar disse a ele ‘ou você muda de partido, do MDB para a Arena, ou você vai ser cassado’. Ele disse ‘não posso trair o povo que me elegeu’. Foi cassado, preso. Isso era um absurdo que se fazia na época.

Tribuna – Como viu a decisão do Supremo Tribunal Federal de revogar a prisão em segunda instância e a soltura do ex-presidente Lula?

Otto Alencar – A soltura do presidente Lula ocorreu por uma decisão da Corte Suprema. Não há como se negar que a sentença publicada pelo então juiz Sérgio Moro não teve uma conotação política. Se assim não tivesse [feito], não seria hoje ministro do governo Bolsonaro. Eu jamais aceitaria dar uma decisão para condenar e prender o principal opositor desse prisioneiro, que era o caso do Lula, e depois da vitória do Bolsonaro aceitaria ser o ministro. Jamais. Tanto que quando o Sérgio Moro esteve no Senado, a situação dele ficou muito desconfortável. Ele prestou um grande serviço para a nação? Prestou. A Lava Jato foi positiva 95%. Prendeu vários ministros, empresários e pessoas que cometeram corrupção no Brasil. Ele tem um saldo muito positivo, mas errou quando ultrapassou o limite da lei. Por que a lei existe? A lei existe para limitar o poder. Para que a lei existe? Para circunscrever o poder. Ninguém está autorizado na democracia a ir acima da lei. O que aconteceu? O juiz Sérgio Moro não tinha provas contundentes contra o presidente Lula e determinou a sua prisão. E depois dele preso, foi ser ministro do Bolsonarao. Foi uma coisa ruim. Mas não tira o mérito dele como juiz, que estourou uma coisa endêmica de corrupção na Petrobras e nos gabinetes em Brasília. Mas errou. Cometeu o erro.

Tribuna – A gente tem a soltura do ex-presidente Lula, inclusive, como um marco na própria condução do presidente Bolsonaro no país. Vai exigir muito mais do presidente da República o ex-presidente Lula solto?

Otto Alencar – Ninguém pode avaliar se o Lula é mais forte politicamente preso ou solto. Só o tempo vai dizer isso. Até porque grande parte da população recebeu benefícios sociais no governo Lula. E foram muitos. A Bahia é um caso. Passou 200 anos com uma única universidade federal só. Lula trouxe cinco universidades. 200 anos com uma escola técnica. Ele trouxe 30. O Bolsa Família, os programas sociais, a expansão da educação e da saúde ficaram marcados na consciência do povo brasileiro e notadamente no povo da Bahia, que não pode de maneira nenhuma esquecer o que foi feito aqui. Então, o que acontecia, na minha visão, é que a população inteira achava que era uma injustiça o presidente Lula estar preso e tantos outros que fizeram coisas piores que o Lula soltos. O Michel Temer foi considerado o chefe da quadrilha que assaltava os ministérios. Aquele cara da mala, o Rocha Loures, está solto. O Aécio Neves também. Vários que cometeram crimes também. E o Lula preso. Então, a população que recebeu tantos benefícios considerou que o Lula estava preso injustamente. Quando sai da prisão, se fez justiça. Avaliar se ele é mais forte ou menos forte de quando estava na prisão, só esperando o acontecimento dos fatos.

Tribuna – Mas isso vai obrigar pelo menos o presidente Jair Bolsonaro a tomar cuidado com a gestão dele…

Otto Alencar – Ele tem que ter muito mais cuidado com o que ele fala do que com os seus atos políticos. Isso tem criado muito problema. Tem uma coisa que está na Bíblia que o Bolsonaro deveria ler todos os dias: ‘quem sua língua na boca segura, livra sua alma de angústia’. Ele devia falar menos e trabalhar mais, mas infelizmente faz exatamente o contrário. Fala muita bobagem e trabalha pouco.

Tribuna – Essa forma do presidente se comportar o coloca em crise também com o próprio Congresso Nacional. A gente viu aí a ruptura dele com o PSL. Isso já começa a ter reflexo nas relações entre o Planalto e o Congresso?

Otto Alencar – Naquilo que é de interesse do presidente da República, não passa nem na Câmara e nem no Senado. O que é de interesse do Brasil, passa. Tem que ter patriotismo na hora do voto. Tem que ter brasilidade, vontade de fazer o bem para o país. O Bolsonaro não tem uma base consolidada forte. Tem uma base que é isso ou aquilo, conforme a necessidade do que as pessoas desejam para o seu país. A situação poderia ser bem melhor, embora você saiba que estive com o Bolsonaro uma vez. Fui convidado a ir lá pelo próprio filho dele, Flávio Bolsonaro, que é uma pessoa educada e correta, embora com problemas [judiciais] lá na Alerj [Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro]. O trato dele é muito educado, é muito cordial. Perguntou se eu tinha uma coisa para falar com o presidente. Falei que tinha revitalização do Rio São Francisco. Fomos lá falar com ele [Bolsonaro]. No trato pessoal, ele é até educado. O problema é ver um microfone, que se descontrola completamente. Aí cria essas dificuldades. Passei cinco meses colocando na porta do meu gabinete as crises do dia. Todas foram criadas pelo presidente e seus filhos. Mas já teve tanta crise que terminei colocando no meu gabinete ‘a crise do dia, virou a ordem do dia’, de tanta crise que esse homem gerou.

Tribuna – Isso cria instabilidade política e insegurança jurídica, já que ele não tem um mínimo de cuidado com os atores da política no Brasil?

Otto Alencar – Cria aqui no Brasil. Agora o pior reflexo é no exterior. O exterior tem um conceito muito negativo do presidente da República e do seu governo. Essa questão da falta de respeito às minorias, aos indígenas, a questão do racismo, da falta de respeito com a democracia, com as liberdades, com a falta de cuidados com o meio ambiente, lá fora ele perde muito conceito. O Brasil está muito mal. Teve discussões ácidas com o presidente da França, com outros presidentes da Alemanha, do Chile, da Argentina… Ou seja, o Bolsonaro é um presidente da República com uma tendência forte a ser um grande gladiador, um grande membro do UFC, da luta livre ou uma coisa dessa natureza. O Brasil precisa de alguém que pudesse harmonizar a vida política.

Tribuna – A gente vê dois lados antagônicos polarizando e intensificando isso: Lula e Bolsonaro.

Otto Alencar – Na política, quem ganha uma eleição para prefeito, governador e presidente, você ganha com a maioria. Mas para ser estadista, tem que governar para vencedores e vencidos. Todos somos brasileiros. Precisamos da ação do governo federal, dos governadores, dos municípios. Não adianta ficar pedindo carteirinha de identidade ideológica ou partidária para ver se faz ou não faz, se atende ou não atende. A mão de quem governa tem que estar sempre aberta para quem precisa, seja de qualquer facção política.

Tribuna – A gente não pode deixar de falar do pacote de medidas que o presidente Bolsonaro enviou para Brasília, como as reformas Tributária e Administrativa.

Otto Alencar – A Tributária ele iria mandar e desistiu, recolheu. Deve vir no próximo ano. Na administrativa, ele mandou três PECs: a do pacto administrativo; a emergencial; e a PEC dos Fundos, que eu sou relator, que extingue todos os fundos. O Brasil tem 282 fundos. Tem fundo criado em 1970 que o dinheiro nunca foi utilizado. Tem fundos que existem e que o dinheiro serve apenas para no final do ano o governo considerar que está no caixa para fazer superávit. Essa matéria estou estudando. Vamos trabalhar para extinguir esses fundos. E esses recursos vão para pagar a dívida. O Brasil tem três tipos de empréstimo, de curto, médio e longo prazo. Então, esses recursos podem ser utilizados para pagar os empréstimos que são mais agudos da dívida.

Tribuna – Há algum entendimento do governo federal de abraçar essa causa ou o interesse tem sido manter a transposição do Rio São Francisco?

Otto Alencar – A transposição está sendo mantida. É necessário. Os estados receptores não têm água. A Paraíba não tem água, o agreste de Pernambuco não tem, o Ceará não tem. O Cariri não tem. A revitalização é uma coisa necessária para manter a transposição. Acho que só pela lei vou aprovar agora, obrigando a criar esse fundo com dinheiro para revitalizar o Rio São Francisco.

Tribuna – Falando de Bahia, o senhor estava na posse do deputado licenciado Nelson Pelegrino, no secretário do Desenvolvimento Urbano do governo Rui Costa. Isso abre espaço para a permanência do deputado Paulo Magalhães em Brasília. Como se deu essa articulação?

Otto Alencar – O secretário Sérgio Brito resolveu se afastar, ele contribuiu bastante. Conversei com o governador Rui Costa. Disse que o cargo estava à disposição e qualquer partido poderia assumir a secretaria, desde que o deputado Paulo Magalhães pudesse reassumir o mandato dele. E assim aconteceu. Nelson é um ótimo deputado, vai ser um bom secretário, conhece bem Salvador, já foi candidato a prefeito. E se fosse prefeito seria um ótimo prefeito. Essa vai ser uma ótima oportunidade de ele ajudar Rui no VLT do Subúrbio, no metrô, nos viadutos, na contenção das encostas e outros. Não interessa se o secretário é do PT, do PCdoB ou de qualquer outro partido. Interessa é que ele seja um bom secretário.

Tribuna – Não dá para a gente não colocar em discussão o nome de Pelegrino ser o mais conhecido do PT em Salvador e ser do partido melhor posicionado para o próximo ano. O senhor acha que essa decisão terá impacto na eleição de 2020 na capital baiana?

Otto Alencar – Não sou muito futurista. Não gosto de fazer projeção sobre o futuro. Se acontecer e for por bem, ficarei feliz.

Tribuna – Como o PSD vai se organizar para a eleição do próximo ano. Aí já não é mais futurologia, é planejamento. De que forma o partido vai se colocar na próxima eleição? O desenho é apoiar Sargento Isidório?

Otto Alencar – Nós temos Manassés, com votação expressiva. Antônio Brito também. Eles têm conversado comigo. O presidente municipal aqui é o vereador Edvaldo Brito. Acho que podemos fazer uma composição com Isidório, mas depende do aval do governador Rui Costa. Da minha parte, não vejo nenhum problema. Nunca tive nenhum sentimento excludente. Isidório é um homem do povo, um homem simples, mas muito inteligente e trabalhador. Ele poderá ser prefeito sim, por que não? A cadeira de prefeito não está apenas guardada para as pessoas que vêm das famílias mais importantes politicamente. O atual prefeito, na minha avaliação, faz uma boa administração. Mas pode ser que um homem do povo faça uma boa administração.

Tribuna – Se o governador Rui Costa lhe pedir um conselho e lhe fizer uma consulta sobre a estratégia que o grupo deve fazer em 2020, qual é o desenho que o senhor acha melhor para enfrentar o candidato a ser apoiado pelo prefeito ACM Neto?

Otto Alencar – Não tenho esse diagnóstico de certeza. Sou médico. Tem que pedir muitos exames, muitas pesquisas, tomografia para saber o que vamos fazer lá na frente. É natural ter muitas candidaturas. Tem a aposta do Niltinho, da Olívia Santana, do Isidório. Fui médico do Isidório, conheço ele e confio nele.

Tribuna – Bruno Reis vai ter dificuldade de decolar na candidatura dele?

Otto Alencar – Não sei. Ano que vem vamos ver quem vai decolar e quem tem capacidade de mobilizar a militância. Vai ser uma eleição em que se terá discussões, debates e propostas. Não terá nenhum problema que não seja dentro de um padrão democrático de todos os componentes que vão disputar a eleição.

Tribuna – Já estamos também falando sobre a eleição de 2022 e muito se fala sobre uma nova dobradinha entre o senhor e o ex-governador Jaques Wagner. Há algum entendimento de cabeça de chapa, com Wagner disputando o governo para manter a unidade? Já há conversa de bastidor nesse sentido?

Otto Alencar – Nunca toquei nesse assunto, muito menos Wagner. Wagner é muito discreto. Rui também. Não dá para pensar em 2022 sem ultrapassar 2020, com as eleições municipais. Vai ser decidido lá na frente. Nunca serei obstáculo para nenhum tipo de negociação. Muitas pessoas falam agora sobre a candidatura de Wagner. Felizmente, não falam muito da minha. Não ando brigando pelo poder, não tenho ambição pelo poder. Mas se por acaso em 2022 meu nome for competitivo, que eu tenha respaldo da base e a confiança de todos os partidos que formam a base, posso até pensar nisso. Se eu for sair por mim mesmo ou por meu partido, sem essa estrutura ou se minha candidatura possa balançar a força política que temos, a gente vai ter que conversar com calma e tranquilidade. Nunca rejeitei missão que foi me dada pelo povo, por meus aliados ou partidos que fazem parte da base. Me sinto com força mental e física para enfrentar. Senão, não tem nenhum problema. Sou do diálogo, do entendimento e acho que um bom entendimento é bom. Tenho uma relação muito boa com Wagner, Rui, João Leão e todos os componentes do grupo. Às vezes ali ou aqui tem uns desentendimentos, mas que se harmoniza depois e se resolve. Nunca na minha vida terei essa ganância para ter o poder na mão.

Tribuna – O senhor é um homem que tem uma vida dentro do interior da Bahia e tem uma relação muito grande com prefeitos e vereadores. Que estratégia o senhor pretende utilizar para deixar o partido no topo do ranking entre os maiores da Bahia?

Otto Alencar – Não sou eu. Somos nove deputados estaduais. Somos seis deputados federais. Dois senadores, eu e Angelo Coronel, que tem a mesma posição que a minha dentro do partido. Somos 103 prefeitos, vários vereadores e vereadoras. O PSD é o partido que tem mais prefeitas e queremos aumentar a participação da mulher através do PSD mulher. Não sou eu sozinho. São muitos políticos que estão ao meu lado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Tribuna da Bahia

 

 

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